sexta-feira, 15 de março de 2013

28. PECADO E JUSTIÇA (Parte II)

       P. Mas os espíritas acham que o pecado original nunca existiu, que não somos castigados pelos pecados de nossos pais e que não responderemos, depois da morte, pelos nossos próprios pecados?

       R. * O texto a seguir é uma complementação do anterior (de nº 27):
       Aí é que estão as questões mais sérias, que demandam maior polêmica. Pense comigo: Por que, depois de passados milênios e milênios do gravíssimo erro cometido pela primeira mulher e compartilhado pelo primeiro homem que, segundo a Bíblia, habitaram e povoaram a Terra, erro que foi simplesmente o de desobedecer a uma ordem sumária vinda de uma voz que se dizia a de Deus, e que lhes dizia apenas que "desta árvore não comereis o fruto", e cujo resultado imediato foi tão somente o conhecimento do bem e do mal, isto é, o despertar da razão, tendo como consequência a tomada do livre-arbítrio, da escolha própria, do que é moral ou imoral, iríamos nós, ainda agora, espíritos recém criados, estarmos sob o efeito da ira de Deus, por conta de tal transgressão?
      Pense comigo: Jesus não veio, como se afirma, para nos liberar desse pecado dos nossos primitivos pais, com o seu sacrifício? Sim ou não?
    Por que cargas d'água condiciona-se, então, essa libertação à nossa aceitação d'Ele como nosso Salvador? Para os que viviam à sua época, vá lá. Ele estaria ali dizendo isto: "Aquele que não me receber como salvador não será salvo". E os que morreram antes de O conhecer, vivendo ainda sob a legislação rígida e cheia de erros de Moisés, da qual muitos capítulos Ele mesmo, Jesus, refutou?
      Se Jesus pagou pelos nossos pecados anteriores, pagou pelo pecado original, então estes não existem mais. Só deve valer os pecados que nós, cada um de nós, individualmente, cometermos durante a nossa vida. E como já foi dito alhures, a vida é breve e nem todos os pecadores têm tido as mesmas chances de rever seus conceitos e corrigir seus equívocos, até mesmo por questões culturais.
      Pois bem, creiamos então que nascemos, alma novinha em folha, com o pecado original de Adão e Eva, mesmo depois de dois milênios da vinda do Salvador; mesmo, inclusive, depois de quatro milênios do famoso dilúvio mundial, ao qual só sobreviveu a família do justo Noé, de quem, afinal, somos justos descendentes.
      Nada disso importando, somos considerados pecadores desde o berço e só com o batismo de água é que nos livramos desse estigma. Para os católicos, o batismo por aspersão, quando ainda somos bebês; e quanto antes melhor, para não se dar que morramos pagãos, uma vez que a morte, por algum mistério que ainda não dominamos, não escolhe idade entre as suas vítimas, mesmo inocentes. Para os evangélicos, o batismo por imersão; e só depois de atingirmos a idade da razão, os sete anos, em que podemos decidir, por nós mesmo, se queremos ou não ser batizados, consciente e espontaneamente.
    Mas, à parte disto, ainda tem uma outra pedra no sapato machucando o calcanhar do pobre cristão: trata-se do castigo a que ele está sujeito pelos pecados dos pais, dos avós, dos bisavós e tetravós.
      Pense numa injusta lei divina, que seria a de um bisneto pagar por um crime hediondo cometido pelo seu bisavô, há, quem sabe, um século e meio antes do menininho haver nascido para a sua única vida. Se nenhum dos quatro tetravós, nenhum dos quatro bisavós e nenhum dos quatro avós (paternos e maternos) pecaram, então, salve Jorge, só falta nenhum dos dois pais (pai e mãe) haverem pecado também, para que os garotinhos e garotinhas não tenham que pagar senão pelos próprios delitos.
     Há, ainda, uma outra questão a resolver: Por que, numa família, por exemplo, de cinco filhos, dez netos e quinze bisnetos, apenas um filho e/ou um neto e/ou um bisneto haveriam de vir à vida estigmatizados pelos crimes dos pais, dos avós e/ou dos bisavós? Pelo menos aparentemente é isto o que acontece em muitas famílias. Um nasce com necessidades especiais, com algum mal de nascença, pagando o débito de um de seus antepassados., enquanto os demais são sadios e, portanto, não recaiu sobre eles a tal dívida para que pagassem. Só um, às vezes dois de vinte membros diretos da família é que nasceram sob o gravame da lei?
     Agora, por favor, leia esta nota de rodapé que foi inserida pela Editora da FEB, em 1947, no capítulo primeiro de "O Evangelho Segundo o Espiritismo":
  "Allan Kardec cita a parte mais importante do primeiro mandamento e deixa de transcrever as seguintes frases: [...] porque eu, o Senhor vosso Deus, sou Deus zeloso, que puno a iniquidade dos pais nos filhos, na terceira e na quarta gerações daqueles que me aborrecem, e uso de misericórdia até mil gerações daqueles que me amam e guardam os meus mandamentos" (Êxodo 20: 5 - 6). Nas traduções feitas pelas Igrejas Católica e protestantes, essa parte foi truncada para harmonizá-la com a doutrina da encarnação única da alma. Onde está 'NA TERCEIRA E NA QUARTA GERAÇÕES', conforme a tradução Brasileira da Bíblia, a Vulgata Latina (in tertian et quartam generationem), e a tradução de Zamenhof (en la tria kaj kvara generaciof), mudaram o texto para 'ATÉ A TERCEIRA E QUARTA GERAÇÕES'. Estes textos truncados que aparecem na tradução da Igreja Anglicana, na Católica de Figueiredo, na Protestante de Almeida e outras, tornam monstruosa a justiça divina, pois que filhos, netos, bisnetos e tetranetos inocentes teriam de ser castigados pelos pecados dos pais, avós, bisavós e tetravós. O texto certo, que já está reproduzido nas traduções recentíssimas a que nos referimos - Brasileira e de Zamenhof - e que conferem com S.Jerônimo, mostra que a Lei ensina veladamente a reencarnação e as expiações e provas. Na primeira e na segunda gerações, como contemporâneo de seus filhos e netos, o Espírito culpado ainda não reencarnou. Um pouco mais tarde, na terceira e quarta gerações - aí sim, já voltou e recebe as consequências de suas próprias faltas do passado. Assim, é o culpado mesmo, e não outrem, que paga sua dívida". 
      Da tradução errada dos textos originais é que se tirou a vantagem de uma providencial comercialização do perdão, ou seja, das indulgências, mediante compromisso do crente de ser batizado, de comungar, de confessar, de pagar seus dízimos e louvar a Deus com ofertas alçadas, entre outras ordenanças que as Igrejas lhe impõe, a fim de ser salvo, efetivamente. ///

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