terça-feira, 3 de dezembro de 2013

87. A GÊNESE: UM IMPASSE TEOLÓGICO

       P. Seria o planeta Terra habitado por alguma outra raça humana antes da criação de Adão, primeiro personagem bíblico e, segundo Moisés, a raiz única de toda a Humanidade terrestre? Onde a orientação espírita diverge da Teologia cristã nesse aspecto e que argumentos nos apresenta o Espiritismo em defesa de sua tese da múltipla originalidade dos habitantes do nosso Planeta?

       R. Finalizando este estudo sobre as origens da Humanidade terrena, tendo por base a Gênese de Moisés e as considerações contidas no capítulo XII da Gênese de Allan Kardec, eis a que conclusão chegaremos , se a nossa própria razão assim no-lo permitir:
       {"O que é um impasse para os teólogos, o Espiritismo o explica sem dificuldade e de maneira racional, pela anterioridade da alma à composição do corpo e a pluralidade das existências no plano físico, lei sem a qual tudo é mistério e anomalia na existencialidade do homem. Com efeito, admitamos que Adão e Eva já tinham vivido e tudo se torna justificado: Deus não lhes fala como a crianças, mas como a seres em estágio de compreensão mais avançada e que O compreendem, prova evidente de que têm um conhecimento anterior. Admitamos que viveram num mundo mais adiantado e menos material que o nosso, onde o trabalho do espírito superava o trabalho do corpo; que pela sua rebelião à lei divina (lá plenamente já estabelecida) figurada pela desobediência, hajam sido excluídos e exilados, a título de punição, sobre a Terra, onde, em consequência da natureza do globo, o homem está sujeito a um trabalho corporal (ainda mais tendo que forjar seus próprios instrumentos de uso, no princípio muitos rudimentares), Deus tinha razão de dizer-lhes: - No mundo onde ides viver doravante, 'cultivareis a terra e dela tirareis o vosso alimento, com o suor do vosso rosto'; e à mulher: 'Parireis com dor', porque tal é a condição desse mundo.
       O paraíso terrestre, cujos traços inutilmente se tem procurado sobre a Terra, era, pois, a figura do mundo feliz onde vivera Adão, ou, antes, a raça dos Espíritos dos quais é ele a personificação. A expulsão do paraíso marca o momento em que esses Espíritos vieram se encarnar entre os habitantes deste mundo, e a mudança de situação consequente disto. A figura do anjo armado de uma espada flamejante, que proíbe a entrada no paraíso, simboliza a impossibilidade em que estão os Espíritos dos mundos inferiores (ou que neles estão temporariamente exilados) de penetrar nos mundos superiores, antes de tê-lo merecido por sua depuração moral (item 23).
        Depois da morte de Abel, 'Caim respondeu ao Senhor: Minha iniquidade é muito grande para poder obter o perdão. - Vós me expulsais hoje de cima da terra, e eu irei me esconder de diante da vossa face. Eu serei fugitivo e vagabundo sobre a Terra; portanto, quem quer que me encontre, me matará. - O Senhor lhe respondeu: Não, assim não será; porque quem matar Caim será punido severamente por isso. E o Senhor pôs um sinal sobre Caim, a fim de que aqueles que o encontrassem não o matassem. - Tendo Caim se retirado de diante da face do Senhor, foi vagabundo sobre a Terra, e habitou a região que fica ao oriente do Éden. - E tendo conhecido sua mulher, ela concebeu e pariu Henoch. Ele edificou uma cidade (vaiehi bôné; lit.: estava edificando), a que chamou Henoch (Enochia) do nome de seu filho' (Gênese 4: 13 - 16).
       Se se prender à letra da Gênese, eis a que consequências se chega: Adão e Eva estavam sozinhos no mundo depois de sua expulsão do paraíso; não foi senão posteriormente à sua saída do Éden que tiveram por filhos Caim e Abel. Ora, tendo Caim matado seu irmão Abel e tendo se retirado para uma outra região, não reviu mais seu pai e sua mãe, que ficaram de novo sozinhos; não foi senão muito tempo depois, com a idade de 130 anos, que Adão gerou o terceiro filho, chamado Seth. Segundo a genealogia bíblica, depois do nascimento de Seth, Adão viveu ainda oitocentos anos, e teve filhos e filhas.
       Quando Caim veio se estabelecer no oriente do Éden, não havia, pois, sobre a Terra senão três pessoas: seu pai, sua mãe e ele, solitário de seu lado. Entretanto, ele conheceu uma mulher e teve com esta um filho. Qual poderia ser essa mulher; e onde a pudera tomar para si? O texto hebreu diz: 'ele estava edificando uma cidade', e não ele edificou, o que indica uma ação presente e não uma ulterior; mas uma cidade supõe habitantes, porque não se deve presumir que Caim a fez para ele, sua mulher e seu filho (o que então seria apenas uma casa e não uma cidade), nem a pôde construir sozinho. Infere-se desse relato mesmo que a região para onde se bandeou Caim estava povoada, e que não poderia sê-lo pelos descendentes de Adão, porquanto este ainda não possuía filhos nem filhas, além do próprio Caim.
       A presença de outros habitantes sobre a Terra ressalta igualmente desta palavra de Caim: '... e quem quer que me encontre me matará', e da resposta que Deus lhe deu: '...assim não será; porque se alguém matar Caim será punido severamente por isso'. Ora, por quem poderia ele temer ser encontrado e morto, e para que serviria o sinal que Deus pôs sobre ele com o fim de preservar-lhe a vida, se não deveria encontrar ninguém em seu caminho? Se, pois, havia sobre a Terra outros homens fora da família de Adão, é porque aí estavam antes dele; donde se conclui que Adão não foi nem o primeiro e nem o único pai do gênero humano (item 25).
       Eram necessários os conhecimentos trazidos pelo Espiritismo (juntamente com as revelações da Ciência) a respeito das relações do princípio espiritual e do princípio material; sobre a natureza da alma, sua criação no estado de simplicidade e ignorância, sua união com o corpo, sua marcha progressiva indefinida através das existências corpóreas sucessivas, e através dos mundos, que são outros tantos degraus no caminho ascensional do aperfeiçoamento, sua libertação gradual da influência da matéria pelo uso do livre arbítrio, a causa dos seus pendores bons e maus e de suas aptidões, o fenômeno do nascimento e da morte (naturais), o estado do Espírito na Erraticidade, enfim, para lançar a luz do entendimento sobre todas as partes questionáveis da Gênese.
       Graças a esta luz, o homem sabe doravante de onde vem, para onde vai, por que está na Terra e por que sofre; sabe que o seu futuro (de gozo, de paz, de felicidade, ou de sofrimento, de perturbação, de infelicidade) está em suas mãos, e que a duração de seu cativeiro neste mundo depende dele mesmo.
       A Gênese, saída então da alegoria, estreita e mesquinha, parece-lhe agora grande e digna da majestade, da bondade, da sabedoria e da justiça do Criador" (item 26).}
       Sem mais comentários, fica este material disponível àqueles que realmente desejam raciocinar livremente sobre o tema aqui abordado.
       Caso alguém se interesse por informações mais completas, deixo o convite à leitura integral do livro "A Gênese, Os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo", de Allan Kardec. ///

Nota: Este texto é o último desta série, que vai do nº. 81 a 87. A quem não leu os anteriores, recomenda-se lê-los antes deste, para sua maior compreensão do que aqui foi estudado.

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