terça-feira, 8 de outubro de 2013

73. A TENTAÇÃO DE JESUS

     P. Sendo cristãos os espíritas, como costumam se auto afirmar, por que não aceitam como legítima e verdadeira a Tentação de Jesus sob a ação direta de Satanás?

     R. Dos quatro apóstolos evangelistas apenas dois, Mateus e Lucas, relatam o curioso episódio, com ênfase a três detalhes importantes, dignos de serem analisados e comentados por qualquer estudioso da Bíblia e do Cristianismo. 
     O apóstolo João não faz nenhuma menção aos fatos, o que é de se estranhar, enquanto o evangelista Marcos resume-os em dois lacônicos versículos (Mc. 1: 12, 13), contra os onze versos de Mateus (Mt.4: 1 - 11) e treze de Lucas (Lc. 4: 1 - 13).
     Lucas diz que Jesus foi guiado pelo Espírito Santo ao deserto, e que lá ficou jejuando por quarenta dias e quarenta noites, sendo tentado pelo diabo. Isto nos remete à ideia de que durante esta quarentena o diabo o tentou várias vezes, culminando com as três tentações a que o submeteu ao final do jejum, conforme descreve em seu evangelho. Já Mateus informa que Jesus, logo após o batismo de João nas águas do Jordão, foi levado ao deserto para ser tentado pelo diabo. Nesse caso subentende-se que o próprio Espírito Santo foi quem entregou Jesus nas mãos de Satanás para que este o submetesse às tentações, provavelmente com o intuito de provar sua fidelidade a Deus, tal como Deus um dia permitira fosse feito com Jó, na Antiguidade, segundo as Escrituras.
     Ao fim do jejum absoluto, Jesus sentiu fome, como narram Mateus e Lucas. "Disse-lhe, então, o diabo: Se és Filho de Deus manda que estas pedras se transformem em pães".
     Cabe aqui anotar que a doutrina que proclama ser Jesus o próprio Deus feito homem comete um grande contra-senso, pois ninguém mais do que Lúcifer (lembram-se dele?), agora Satanás, saberia deste pormenor e então teria dito, mais corretamente: "Pois que és Deus, transforma estas pedras em pães". No entanto, quando o diabo o coloca sobre o pináculo do templo em Jerusalém, novamente alude à sua filiação, dizendo: "Se és filho de Deus atira-te daqui abaixo"...
     Se a estas duas tentativas satânicas de demover Jesus da sua missão salvadora na Terra se houvera restrito o texto em pauta, dadas as respostas convictas e cheias de sabedoria do Cristo, extrair-lhe-íamos valiosíssima lição, deixando a interpretação literal na conta de uma alegoria salutar, como tantas outras assim nos parecem ao percorremos os mais diversos ensinamentos bíblicos, que incluem várias parábolas contadas pelo próprio Mestre.
     Entretanto, segue a narrativa, complicando um pouco mais o raciocínio que se queira fazer mediante a lógica e o bom-senso:
     "Levou-o também o diabo a um monte muito alto, mostrou-lhe todos os reinos do mundo e a glória deles, e disse-lhe: Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares", segundo Mateus.
     "Dar-te-ei toda esta autoridade e a glória destes reinos, porque ela me foi entregue, e a dou a quem eu quiser", acrescenta Lucas.
     Ora, segundo a Escritura antiga, Satanás, que dantes fora a luminosa criatura espiritual mais próxima de Deus, chamada Lúcifer, foi expulso do Céu sem direito a nada. Como agora viria ele dizer a Jesus, seu conhecido de todos os tempos, ou, pior, ao próprio Deus, sendo ele assim considerado, que toda a autoridade e a glória dos reinos da Terra lhe foram entregues, cabendo-lhe o direito de dá-los a quem ele quisesse?
     Pois bem, os espíritas, apelando para a lógica e para o mais apurado bom-senso, além de contarem com as instruções dos Espíritos superiores, já não conseguem aceitar essa personalização do diabo, a não ser como uma figura alegórica que personifique a nossa própria ignorância e o mal que desta advém, como irão levar a sério uma descrição tão contraditória quanto esta, ainda mais quando faça parte integrante do que dizem ser a "Palavra de Deus", a qual jamais se exporia a erro tão primário?
     Diante do que se acaba de conferir, se se continuar afirmando que Jesus é Deus, ter-se-á que admitir que o diabo ousou propor ao próprio Deus adorá-lo, mediante o que lhe promete dar tudo o que sempre Lhe pertenceu, pois que é tudo isto fruto da Sua própria Criação. Ora, segundo os mesmos livros sagrados, o diabo teme e treme na presença de Jesus, que o expulsa de suas atormentadas vítimas, em várias oportunidades.
     Sob a ótica do Espiritismo, É um fato aceitável, isto sim, que Jesus teria se retirado para o deserto, intuído de que sua missão não seria nada fácil e amparado por uma falange de Espíritos Benfeitores, seus auxiliares invisíveis, a fim de meditar profundamente na tarefa que lhe exigiria logo mais o máximo de esforço, concentração e renúncia.
     Nesse caso, a figura de Satanás com suas propostas tentadoras, pode aí ser substituída pela configuração dos pensamentos que talvez lhe assaltassem a mente, sobre a possibilidade de recuar, levado pelo comodismo e pelas glórias terrenas, que a todos acenam, mas que somente aos fracos seduzem. 
     Ele mesmo vai dizer mais tarde que o seu reino não é deste mundo.
     Diante deste raciocínio, revela-se a grandeza desse Espírito maravilhoso e altamente iluminado, que imergiu da mais alta esfera evolutiva, e que enfrentou o desconforto da indumentária física humana, própria de espíritos atrasados quanto ainda o somos, submetendo-se aos escárnios da nossa total ignorância, tudo em prol da nossa evolução moral e espiritual, que já se fazia e ainda se faz absolutamente tardia. ///


      

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