quarta-feira, 2 de outubro de 2013

72. CARTA DE KARDEC AOS LIONESES

     Tendo em vista as comemorações que se estabelecem em todo o Movimento Espírita por ocasião da passagem de mais um aniversário de nascimento do insigne codificador da Doutrina Espírita, Allan Kardec (03 de outubro de 1804), achei de bom gosto reverenciá-lo, neste blog, transcrevendo a carta por ele enviada, de Paris, aos seus conterrâneos adeptos do Espiritismo, quando este contava menos de uma década de existência, e em cujas palavras podemos avaliar de seu prestígio, seus propósitos e suas lutas de então.
     Esta carta faz parte da biografia de Kardec escrita por Henri Sausse, e foi extraída do livro "O Que é o Espiritismo", onde a mesma foi inserida (ver edição da FEB de 2006), seguindo-se na integra:
       
      "Meus caros irmãos e amigos de Lyon:
      A manifestação coletiva que tivestes a bondade de transmitir-me, por ocasião do ano novo, produziu-me vivíssima satisfação, provando-me que conservastes de mim uma boa recordação; mas, o que me causou maior prazer, nesse ato espontâneo de vossa parte, foi encontrar, entre as numerosas assinaturas que nele figuram, representantes de quase todos os grupos, porque é um sinal da harmonia que reina entre eles. Sou feliz por ver que compreendestes perfeitamente o fim desta organização, cujos resultados desde já podeis apreciar, porque deve ser agora evidente para vós que uma sociedade única seria quase impossível.
      Agradeço, meus bons amigos, os votos que fazeis por mim; eles me são tanto mais agradáveis quanto sei que partem do coração, e são os que Deus atende. Ficai, pois, satisfeitos, porque Ele os ouve todos os dias, proporcionando-me a extraordinária satisfação no estabelecimento de uma nova doutrina, de ver aquela a que me tenho dedicado engrandecer e prosperar, em minha vida, com uma rapidez maravilhosa; considero um grande favor do Céu ser testemunha do bem que ela já produz.
      Esta certeza, de que recebo diariamente os mais tocantes testemunhos, paga-me com usura todos os meus sofrimentos, todas as minhas fadigas; não peço a Deus senão uma graça, e é a de dar-me a força física necessária para ir até ao fim da minha tarefa, que longe se encontra de estar concluída; mas como quer que suceda, possuirei sempre a maior consolação, pela certeza de que a semente das ideias novas, espalhada agora por toda parte, é imperecível; mais feliz que muitos outros que não trabalharam senão para o futuro, é-me permitido contemplar os primeiros frutos.
      Se alguma coisa lamento, é que a exiguidade dos meus recursos pessoais me não permita pôr em execução os planos que concebi para um avanço ainda mais rápido; se Deus, porém, em Sua sabedoria, entendeu dispor de modo diferente, legarei esses planos aos nossos sucessores, que, sem dúvida, serão mais felizes. A despeito da escassez de recursos materiais, o movimento que se opera na opinião ultrapassou toda a expectativa; crede, meus irmãos, que nisso o vosso exemplo não terá sido sem influência. Recebei, portanto, as nossas felicitações pela maneira por que sabeis compreender e praticar a Doutrina.
      No ponto a que hoje chegaram as coisas, e tendo em vista a marcha do Espiritismo através dos obstáculos semeados em seu caminho, pode dizer-se que as principais dificuldades estão superadas; ele conquistou o seu lugar e está assente sobre bases que de ora em diante desafiam os esforços dos seus adversários.
      Perguntam como uma doutrina, que torna feliz e melhor o homem, pode ter inimigos; é natural; o estabelecimento das melhores coisas choca sempre interesses, de começo. Não tem acontecido assim com todas as invenções e descobertas que têm revolucionado a indústria? As que hoje são consideradas como benefícios, sem as quais não se poderia mais passar, não tiveram inimigos obstinados? Toda lei que reprime um abuso não tem contra si todos os que vivem dos abusos? Como quereríeis que uma doutrina que conduz ao reino da caridade efetiva não fosse combatida por todos os que vivem no egoísmo? E sabeis que são eles numerosos na Terra!
      No começo contaram sepultá-la com a zombaria; hoje veem que essa arma é impotente e que, sob o fogo dos sarcasmos, ela prosseguiu o seu caminho sem tropeçar. Não acrediteis que se confessem vencidos; não, o interesse material é tenaz. Reconhecendo que é uma potência com que é necessário de hoje em diante contar, vão dirigir-lhe assaltos mais sérios, mas que só servirão para melhor atestar a fraqueza deles. Uns a atacarão diretamente por palavras e atos, e a perseguirão até na pessoa de seus adeptos, que eles se esforçarão por desalentar a poder de embaraços, enquanto que outros, secretamente e por caminhos disfarçados, procurarão miná-la surdamente.
     Ficai prevenidos de que a luta não está terminada; fui avisado de que eles vão tentar um supremo esforço. Não tenhais, porém, receio; o penhor da vitória está nesta divisa, que é a de todos os verdadeiros espíritas: Fora da caridade não há salvação. Arvorai-a bem alto, porque ela é a cabeça de Medusa para os egoístas.
      A tática, posta já em prática pelos inimigos dos espíritas, mas que eles vão empregar com novo ardor, é tentar dividi-los criando sistemas divergentes e suscitando entre eles a desconfiança e o ciúme. Não vos deixeis cair no laço, e tende como certo que quem quer que procure um meio, qualquer que seja, para quebrar a harmonia, não pode estar dotado de boa intenção. É por isso que vos recomendo useis da maior circunspeção na formação dos vossos grupos, não só para a vossa tranquilidade, como no próprio interesse dos vossos labores.
      A natureza dos trabalhos espíritas exige calma e recolhimento. Ora, não há recolhimento possível se se está preocupado com discussões e com a manifestação de sentimentos malévolos. Não haverá sentimentos malévolos se houver fraternidade; não pode, porém, haver fraternidade em egoístas, ambiciosos e orgulhosos. Entre orgulhosos, que se suscetibilizam e se ofendem por tudo, ambiciosos que se sentirão mortificados se não tiverem a supremacia, egoístas que não pensam senão em si mesmos, a cizânia não pode tardar a introduzir-se, e com ela a dissolução. É o que desejariam os nossos inimigos, e é o que eles procuram fazer.
      Se um grupo quer estar em condições de ordem, de tranquilidade e de estabilidade, é preciso que nele reine o sentimento fraternal. Todo grupo ou sociedade que se formar, sem ter caridade efetiva por base, não terá vitalidade; enquanto que aqueles que forem fundados de acordo com o verdadeiro espírito da Doutrina olhar-se-ão como membros de uma mesma família, que, não sendo possível habitarem todos sob o mesmo teto, moram em lugares diferentes. A rivalidade entre eles seria um contra-senso; ela não poderia existir onde reina a verdadeira caridade, porque a caridade não se pode entender de duas maneiras.
      Reconhecei, pois, o verdadeiro espírita na prática da caridade por pensamentos, palavras e obras, e persuadi-vos de quem quer que nutra em sua alma sentimentos de animosidade, de rancor, de ódio, de inveja ou de ciúme, mente a si próprio se tem a pretensão de compreender e praticar o Espiritismo.
     O orgulho e o egoísmo matam as sociedades particulares, como matam os povos e a sociedade em geral..."

      Eis, pois, as palavras do próprio codificador da Doutrina dirigidas aos membros dos primeiros Grupos Espíritas que se formaram em Lyon, sua terra natal, e que ecoam até aos nossos dias, cabendo ainda os mesmos conselhos e advertências a todas as Sociedades atuais, para que não percam de vista as suas origens, conquanto distantes no tempo e no espaço.
     Aos que ainda não tiveram oportunidade de ler, recomendo os textos editados no mês de agosto e em sequência numérica neste blog, de 65 a 70, inclusos, todos os quais fazem parte da belíssima biografia do mestre lionês, codificador do Espiritismo.
     A todos, o meu mais carinhoso e fraterno abraço. ///
     

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